Tive e tenho a honra de
conhecer, trabalhar, jogar, conviver e ser amigo deste trio extraordinário acima.
Embora o documentário já esteja disponível para o público, faço questão do meu
depoimento e minha homenagem. Jamais poderia deixar passar sem meu comentário e sem a presença deles na minha
coluna do “Futebol de Fato”. Até por que, a dita “crônica especializada” e os “gênios”
de plantão se preocupavam mais, e ainda se preocupam, com suas atitudes, seu
visual, do que com seu futebol e os feitos dentro e fora de campo. Faço uma
simples pergunta à própria torcida do Botafogo, que foi a origem dos três, se viram
algo parecido nos últimos 40 anos? Então, nem pela frieza dos números vocês
podem e têm moral para condená-los.
Vou começar falando um
pouquinho pelo Ney Conceição, de quem ouço mais críticas dos idiotas que não o
viram jogar ou têm informações do papai e do vovô sobre suas peripécias como
atleta profissional, como gostam de dizer. Se você ouviu algo negativo sobre
ele, tenha certeza que partiu de alguém com preconceito e inveja. Alguém que
pensa que dinheiro mede o sucesso de um jogador de futebol. Ney foi da Seleção Brasileira,
jogou num time do Botafogo onde só envergavam a camisa jogadores de altíssimo
nível e tinha uma habilidade e uma visão de jogo, que dos jogadores que vi de
perto nunca percebi igual. Seu jeito largado, simples e que para muitos lembra
um “maior abandonado”, nada mais é que sua simplicidade e seu modo de encarar a
vida. Nesses anos todos nunca vi Ney fazer mal a alguém. Sou testemunha disso.
Quem
jogou na época de Ney sabe o tipo de tratamento que os jogadores sofriam. E ele
era mais um, dentre esses três, que se recusava a ceder. Muitos achavam: “Não,
o Ney não treinava, não trabalhava”, ou “o que fez o Ney no futebol?” Olha,
companheiro, ele sempre acordou cedo, sempre treinou. Num total de mais de
quatro anos, fez trabalhos sociais com Afonsinho, comigo e outros colegas que
livraram um sem número de crianças do mau caminho e possivelmente da morte.
Pois só de comunidades carentes, tínhamos catalogados mais de 900 jogadores. E
seu modo de ensinar era o de sempre: liberdade para cada um expor seu dom e sua
arte. O futebol brasileiro deve uma homenagem a esse grande cara e fantástico
craque.
Sobre PC Caju, cheguei a conhecê-lo
antes, no Fluminense, quando chegou da França. Eram inesquecíveis aqueles dias
que, jogando no Juvenil (não havia Juniores), o treinador Pinheiro, das
categorias de base do Fluminense, colocava todos os goleiros para treinar junto
aos profissionais, para aprender, como Roberto, Renato e, pasmem, o Tricampeão
Félix. Na hora do trabalho de finalizações, nós participávamos. Aquele bem
pouquinho que participava com eles, como os próprios chutes do PC, do Rivelino
e outros, tomavam toda a minha cabeça por horas...dias...ainda mais Didi tendo
dado a ele a função de meia armador junto com Pintinho. Pra desespero dos
poliglotas da bola, o Fluminense saía jogando com gente que sabia. Enquanto
Santa Cruz, São Paulo e outros times, dos quais não quero citar nomes dos
jogadores, saíam de caminhão ou carroça mesmo. Por isso, no próprio filme vocês
vão ver as críticas de PC, ácidas como é de seu estilo, ao futebol medíocre que
já se jogava naquela época.
PC era e sempre foi assim. Das areias do Leblon,
quando havia espaço, nos anos 60, pelo Columbia ao lado de Jairzinho, já
encantava todo mundo. E garoto ainda, era uma das mais novas sensações do
futebol tendo brilhado pela Seleção, como na Copa de 70, quando atuou. Marcar
Paulo César era um desespero. Ele ia pra dentro com a bola colada no pé. E o
marcador que pedisse a Deus que o poupasse. Como pessoa, natural e sincero, PC
nunca fingiu ser o que não era. Diz o que pensa e ponto final. Não é chegado a
história pra boi dormir. Nunca foi.
Sobre Afonsinho, nos
conhecemos em 1981 no Sindicato, e a seu convite fui fazer uma partida amistosa
contra o São Cristóvão, largando inclusive uma prova importante que tinha na
Universidade. Com ele aprendi muito do que sei. A facilidade que Afonsinho tem de
conhecer as pessoas é incrível. Ele sabia meus pontos fortes e fracos. E pra
mim era um orgulho sem tamanho, como ainda é, ser chamado, ouvido em alguma dúvida,
dividir opiniões, sabendo lances e detalhes do futebol do seu tempo, do nosso
tempo, e convivendo com seus familiares: pessoas tão inteligentes e de nível
intelectual privilegiado.
Se vier também alguma pergunta sobre o que Afonsinho
fez no mundo da bola como a que ouvi há muitos anos num programa de TV, feita
por um desses apadrinhados medíocres, que nem vale à pena citar o nome, é melhor
ver nos livros, documentários e nos tribunais esportivos em plena ditadura. Ver
como alguém naquela época conseguiu enfrentar a covardia de um treinador, que
escala um jogador de sua qualidade num jogo amistoso, na estreia do Mineirão
lotado, entre Botafogo e Atlético, e o substitui aos 13 minutos do primeiro
tempo, tendo sido escalado fora de posição, só lhe restando a alternativa de
tocar bola com Dimas, o lateral esquerdo escalado, em meio ao massacre do time da
casa que se desenhava. Aos que pensam que Afonsinho não sabia reagir ou punha o
galho dentro, como muitos colocaram, a resposta foi dada naquele dia mesmo.
Está no filme.
O que está ali é verdade, eu sou testemunha. Como fui como
torcedor, antes de conhecer Afonsinho, de sua luta pela liberdade do jogador de
futebol. Pela vitória do Passe Livre. Pela vitória de um craque dos gramados,
do corpo humano (é além de tudo um grande médico) e de sua luta incessante,
como a de PC Caju e de Ney Conceição, cheia de limites impostos, contra a
ignorância, a ganância, a incompetência e a escravidão que tomaram conta do futebol
novamente.
Aquele meu muito obrigado a vocês três pelo que vi como torcedor, jogador, técnico
de futebol e amigo do peito.