domingo, 19 de março de 2017

MUITO ALÉM DE CRAQUES


Tive e tenho a honra de conhecer, trabalhar, jogar, conviver e ser amigo deste trio extraordinário acima. Embora o documentário já esteja disponível para o público, faço questão do meu depoimento e minha homenagem. Jamais poderia deixar passar sem meu comentário e sem a presença deles na minha coluna do “Futebol de Fato”. Até por que, a dita “crônica especializada” e os “gênios” de plantão se preocupavam mais, e ainda se preocupam, com suas atitudes, seu visual, do que com seu futebol e os feitos dentro e fora de campo. Faço uma simples pergunta à própria torcida do Botafogo, que foi a origem dos três, se viram algo parecido nos últimos 40 anos? Então, nem pela frieza dos números vocês podem e têm moral para condená-los.

Vou começar falando um pouquinho pelo Ney Conceição, de quem ouço mais críticas dos idiotas que não o viram jogar ou têm informações do papai e do vovô sobre suas peripécias como atleta profissional, como gostam de dizer. Se você ouviu algo negativo sobre ele, tenha certeza que partiu de alguém com preconceito e inveja. Alguém que pensa que dinheiro mede o sucesso de um jogador de futebol. Ney foi da Seleção Brasileira, jogou num time do Botafogo onde só envergavam a camisa jogadores de altíssimo nível e tinha uma habilidade e uma visão de jogo, que dos jogadores que vi de perto nunca percebi igual. Seu jeito largado, simples e que para muitos lembra um “maior abandonado”, nada mais é que sua simplicidade e seu modo de encarar a vida. Nesses anos todos nunca vi Ney fazer mal a alguém. Sou testemunha disso. 

Quem jogou na época de Ney sabe o tipo de tratamento que os jogadores sofriam. E ele era mais um, dentre esses três, que se recusava a ceder. Muitos achavam: “Não, o Ney não treinava, não trabalhava”, ou “o que fez o Ney no futebol?” Olha, companheiro, ele sempre acordou cedo, sempre treinou. Num total de mais de quatro anos, fez trabalhos sociais com Afonsinho, comigo e outros colegas que livraram um sem número de crianças do mau caminho e possivelmente da morte. Pois só de comunidades carentes, tínhamos catalogados mais de 900 jogadores. E seu modo de ensinar era o de sempre: liberdade para cada um expor seu dom e sua arte. O futebol brasileiro deve uma homenagem a esse grande cara e fantástico craque.

Sobre PC Caju, cheguei a conhecê-lo antes, no Fluminense, quando chegou da França. Eram inesquecíveis aqueles dias que, jogando no Juvenil (não havia Juniores), o treinador Pinheiro, das categorias de base do Fluminense, colocava todos os goleiros para treinar junto aos profissionais, para aprender, como Roberto, Renato e, pasmem, o Tricampeão Félix. Na hora do trabalho de finalizações, nós participávamos. Aquele bem pouquinho que participava com eles, como os próprios chutes do PC, do Rivelino e outros, tomavam toda a minha cabeça por horas...dias...ainda mais Didi tendo dado a ele a função de meia armador junto com Pintinho. Pra desespero dos poliglotas da bola, o Fluminense saía jogando com gente que sabia. Enquanto Santa Cruz, São Paulo e outros times, dos quais não quero citar nomes dos jogadores, saíam de caminhão ou carroça mesmo. Por isso, no próprio filme vocês vão ver as críticas de PC, ácidas como é de seu estilo, ao futebol medíocre que já se jogava naquela época. 

PC era e sempre foi assim. Das areias do Leblon, quando havia espaço, nos anos 60, pelo Columbia ao lado de Jairzinho, já encantava todo mundo. E garoto ainda, era uma das mais novas sensações do futebol tendo brilhado pela Seleção, como na Copa de 70, quando atuou. Marcar Paulo César era um desespero. Ele ia pra dentro com a bola colada no pé. E o marcador que pedisse a Deus que o poupasse. Como pessoa, natural e sincero, PC nunca fingiu ser o que não era. Diz o que pensa e ponto final. Não é chegado a história pra boi dormir. Nunca foi.

Sobre Afonsinho, nos conhecemos em 1981 no Sindicato, e a seu convite fui fazer uma partida amistosa contra o São Cristóvão, largando inclusive uma prova importante que tinha na Universidade. Com ele aprendi muito do que sei. A facilidade que Afonsinho tem de conhecer as pessoas é incrível. Ele sabia meus pontos fortes e fracos. E pra mim era um orgulho sem tamanho, como ainda é, ser chamado, ouvido em alguma dúvida, dividir opiniões, sabendo lances e detalhes do futebol do seu tempo, do nosso tempo, e convivendo com seus familiares: pessoas tão inteligentes e de nível intelectual privilegiado. 

Se vier também alguma pergunta sobre o que Afonsinho fez no mundo da bola como a que ouvi há muitos anos num programa de TV, feita por um desses apadrinhados medíocres, que nem vale à pena citar o nome, é melhor ver nos livros, documentários e nos tribunais esportivos em plena ditadura. Ver como alguém naquela época conseguiu enfrentar a covardia de um treinador, que escala um jogador de sua qualidade num jogo amistoso, na estreia do Mineirão lotado, entre Botafogo e Atlético, e o substitui aos 13 minutos do primeiro tempo, tendo sido escalado fora de posição, só lhe restando a alternativa de tocar bola com Dimas, o lateral esquerdo escalado, em meio ao massacre do time da casa que se desenhava. Aos que pensam que Afonsinho não sabia reagir ou punha o galho dentro, como muitos colocaram, a resposta foi dada naquele dia mesmo. Está no filme. 

O que está ali é verdade, eu sou testemunha. Como fui como torcedor, antes de conhecer Afonsinho, de sua luta pela liberdade do jogador de futebol. Pela vitória do Passe Livre. Pela vitória de um craque dos gramados, do corpo humano (é além de tudo um grande médico) e de sua luta incessante, como a de PC Caju e de Ney Conceição, cheia de limites impostos, contra a ignorância, a ganância, a incompetência e a escravidão que tomaram conta do futebol novamente. 

Aquele meu muito obrigado a vocês três pelo que vi como torcedor, jogador, técnico de futebol e amigo do peito. 

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