Uma Copa do Mundo, em seus primeiros 8 dias, atípica. Torcedores
do mundo inteiro estão vendo um torneio que, para muitos, pode ser sintetizado,
simplesmente, como uma Copa sem favoritos, absolutamente equilibrada. Isso
explica até em parte minhas crônicas anteriores onde não apontei favorito, mas,
sim, favoritos.
É muito superficial dizer que há um equilíbrio ou até um
nivelamento por baixo, como creio, e estamos conversados. Provavelmente
derivado da forte marcação, da tal modernidade, da falta de espaço para jogar,
do avanço energético, físico, que nos remete aquela famosa teoria popular onde
se diz que “no futebol não tem mais bobo”. Tem sim. No campo e fora dele. A
opinião pública, por exemplo, quer nos fazer de bobos. Ou não enxerga
evidências e um processo corrosivo que se instalou no futebol há alguns anos.
Que processo será esse? Onde está o erro?
Abordei em crônicas anteriores me aprofundando até onde
pude nesse assunto. Respondo à pergunta que fiz na manchete: a técnica foi
parar na conta corrente de muitos que a representavam em campo. A leitura desta
foto que utilizo é uma ideia de um dos aspectos desse processo corrosivo que me
referi. Identifico que o futebol não
está mais na cabeça e no coração da grande maioria dos que o praticam e o
dirigem. Exemplificando: o comportamento do jogador hoje, a direção de uma
equipe e os valores do mundo que os cercam influíram e influem drasticamente nos
profissionais de futebol.
Antes que me acusem de ser anti-empresário porque acho
que boa parte dos problemas estão neles. Primeiro nego que seja. Em toda
atividade hoje em dia existe a presença dos empresários. Ocorre que em alguns
casos eles são positivos. Mas, na maioria, negativos. Amplificam suas
participações e interveem de forma nociva na formação de jogadores, como nunca
aconteceu na história desse esporte. São garotos de 12, 13 anos assinando contratos
com empresários que visam naturalmente o lucro e não o jogador. Que não sabem
ensinar, mas só pensam em valorizar. Que destacam nas mídias um valor que
muitos deles não têm. E por eles passam despercebidas várias estrelas que se
apagam por não terem quem as reconheça e as lapide. Tem de haver regras. Tem de
haver limites. E não há.
Maradona, um dia, disse que “A bola e o gueto tinham uma relação direta”.
Fantástico! Exatamente! Quantos craques surgiram no mundo oriundos de
condomínios de elite? Na várzea, no campinho, na areia, lá estava a garotada
batendo sua bola com alegria e amor. Nutriam um sonho de ser um Pelé ou outros
astros, como também nutrem os de hoje. Mas, o lado financeiro, a invasão de
preparadores físicos, muitos além de suas áreas profissionais, empresas influindo
em demasia no futebol do clube, tornam fato o futebol, de negócios. Os espaços
que citei onde se desenvolviam as estrelas, ainda em gestação, vão se resumindo
às tentações da globalização. Ficam reféns de dirigentes empresários,
ex-jogadores empresários, preparadores físicos com inovações científicas e
apetite pela direção técnica do elenco. Excelentes fisicamente, mas sem talento
para tocar numa bola. E a qualidade vai se desintegrando.
Outro dia me repreenderam numa rede social por ter
comentado um vídeo postado por um jogador, de 21 anos, brasileiro, jogando no
exterior, com um futebol de 80% de força e 20% de alguma técnica, fazendo uma
dancinha exótica, bem ao estilo das modinhas atuais. Dei meu pitaco e sei
porque o fiz. Nem consagrado é. Imagina se fosse? Essa ordem mundial do novo
modelo do futebol vai incluindo cortes de cabelo padrão, concorrências de
marcas de patrocinadores, a família personificada nas mulheres que esses
jogadores têm, nas redes sociais, nos videogames, computadores e,
principalmente, nos seus celulares e fones de ouvido. Tudo parece normal e
inofensivo. Tendências.
Enquanto isso, as futuras gerações se espelham nesses
exemplos que os afastam do amor à bola, da prática, da técnica, do profissionalismo
e dos rumos que os levarão ao estrelato. Preparo físico? Ora, isso hoje todos
têm. Quase não havia espaços para uma simples pelada. Hoje, reparem nas quadras
de salão às moscas. Nos campos desertos. Nas areias de balizas desocupadas e de
bolas abandonadas, aguardando, não um campeonato ou um jogo, mas um bate bola
sem compromisso, que é muito bonito de se ver, como a variedade de talentos que
reúnem um Marcelo, um Neymar e mais uns poucos. Ocorre que há uma estrutura por
trás de Neymar no PSG e de Marcelo, no Real Madrid. E, mesmo assim, nesses clubes
eles não abusam de seus dotes.
“Mas você não disse que não havia mais talentos?”. Há
sim. Mas infinitamente em menor número. A ponto da preparação física colocar a
força física em um patamar onde fica mais fácil bloquear uma ou duas estrelas
de um time (ou às vezes nenhuma). Já repararam como citei várias vezes quantos ferem
a cabeça numa partida, em choques no ar? Por que Pelé, Euzébio, Roberto
Dinamite, Paulo Rossi, Zidane, Klose e outros não se feriam?
Exibicionismos em excesso, demonstrações de extrema
habilidade em treinos e horas vagas não significam que tais virtudes podem ser
usadas num jogos valendo 3 pontos. Sem falar na moda de censurar os líderes que
possam surgir. Eles já vêm com um rótulo de “corneteiros” e não parceiros de
equipe. A maioria hoje não dorme mais com a bola. Não almoça e janta futebol.
Ficam presos a contratos que os afastam do seu mundo original. Não se habituam
à coletividade e seus objetivos máximos.
Por isso um Cristiano Ronaldo ainda se destaca. Por sua
qualidade, seriedade de objetivo e pela condução dos poucos qualificados e
conhecedores de futebol que estão à beira do campo e fora dele. Ele também
apanha como Neymar, mas o suficiente para cavar uma falta. Ele não se limita a
ficar preso num canto do campo. Cristiano flutua no comando do ataque, às vezes
voltando para buscar jogo. Não quer ser estrela, quer ganhar. Este tipo de
jogador dialoga, pensa na vitória e sabe que se os outros não pensarem como
ele, irão naufragar. Por isso, minha gente, temos 5 ou 6 estrelas apenas nas
seleções presentes. E quem está usando da intensidade máxima e da correria
desenfreada, como defendem hoje em dia, pode surpreender por algum tempo. Mas
não chega.
Portanto, ou se retoma o caminho das raízes do futebol de
cada escola e se pensa futebol, se vive futebol e se ama futebol, ganhando bem,
é claro, mas sem colocar suas façanhas individuais acima das ambições futebolísticas,
ou a cada Copa veremos mais correria, mais intrusos e mais coisa feia.
Até!
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