sexta-feira, 6 de julho de 2018

BRASIL: MAIS UMA DERROTA DE UM MODELO FALSO

Gleb Garanich (Reuteurs)

É muito triste escrever após mais uma derrota mundial do futebol brasileiro. Hoje partiram mais duas equipes sul-americanas que juntas somam 7 títulos mundiais, Brasil e Uruguai. Antes já havia partido a Argentina, com mais dois. O que está errado, gente? Incansavelmente tenho postado aqui nas minhas crônicas, quem acompanha pode constatar, no caso do Brasil, nossos inúmeros problemas e defeitos. E o pior deles é uma mentalidade artificial que foi construída no nosso futebol.

Alertei várias vezes, chegando a cansar o leitor, que não jogamos amistosos suficientes e contra outros tipos de escolas, senão as sul-americanas, ou no máximo, muito recentemente, algumas europeias como Áustria, Croácia, Alemanha e Inglaterra, que atuou com o time reserva. O que foi muito pouco. Isso contribuiu para uma falsa impressão de que tínhamos uma equipe pronta. Tínhamos sido testados em parte. Tínhamos um comando trocado há apenas 2 anos e seguíamos com uma federação e seus mandatários apodrecidos, sem moral alguma. A ponto de seu ex-presidente sequer poder acompanhar os jogos fora do país sob o risco de ser preso.

Naturalmente aparecerão listas de culpados, como é comum no Brasil. Acusar, nominar, escolher o bode expiatório é comum no Brasil. Tentar entender que as raízes do futebol brasileiro não nasceram pra se adaptar à ciência e ao pragmatismo é que são elas. Nosso futebol nasceu e venceu criativo, ofensivo, dinâmico, driblador, catimbeiro, não imaturo ou comandado pela opinião pública e pelos empresários de jogadores com fartura para todo lado.

Nosso futebol, meus amigos, não aceita soluções “quebra-galho”, tipo: “Não está acertando aqui, entro com Firmino. Não deu certo lá, eu ponho o Douglas Costa. Eu preciso ganhar, lanço mão do Renato Augusto”. Pobre Renato Augusto. Pobre Coutinho. Pobre Gabriel Jesus. Pobre Alisson. Pobre Miranda. E alguns que eu possa estar esquecendo ou fazendo injustiça. Abrir mão de armar um meio campo com Renato Augusto e Philippe Coutinho juntos, ter um Neymar sem posição fixa (o mesmo acontecendo com o Willian), é, para muitos, bastante antiquado, não? É ali que se começa o domínio do jogo e criação de todas as ações ofensivas. E tínhamos jogadores com habilidade suficiente para isso no elenco. O meio campo que foi bombardeado pelas forças teóricas, físicas e científicas que invadiram nosso futebol.

Sei que a opinião pública vai ser covarde em direcionar suas baterias contra Neymar, o próprio Fernandinho... A culpa não é deles. A culpa é do modelo adotado por quem os dirige. Fernandinho sequer poderia ser convocado. E Neymar já dá sinais há muito tempo (puxa vida!), há muito tempo, que precisava de alguém que lhe ajudasse. Tirasse dele o que ele tem de melhor. Fosse sincero com ele e com toda atitude que necessitasse ser tomada para digerir seus incontáveis excessos. Bola? Ele tem demais e sempre teve. Foi muito triste vê-lo várias vezes perdido em campo. Foi muito triste ver o meio campo da Bélgica envolvendo o inexistente meio campo brasileiro, praticamente formado por volantes, com bola de pé em pé, na iniciativa do genial artista da Bélgica, Hazard, que deu um verdadeiro show na nossa seleção. Se há anos ao invés de uma camisa vermelha envergasse uma da seleção brasileira, ora, ora, tranquilamente mais um virtuose que saiu do nosso forno direto para os gramados.

Teríamos perdido hoje por Gabriel Jesus não ter se infiltrado nas costas de Willian, como pediu Tite em uma leitura labial capturada pela TV? Foi por causa do excelente goleiro belga? Antes fosse. Nós não perdemos por causa disso, não. Perdemos por um conjunto de erros de um futebol viciado em pragmatismo, em teorias que abriram mão da nossa arte, da nossa criatividade e do nosso drible. De comissões técnicas que parecem um parlamento. Com o agravante de dezenas de jogadores que só são convocados porque jogam no exterior. Mas, ninguém leva em conta se seu amor a nossa camisa vai ficando pelo caminho, sendo camuflado por milhões de dólares e euros. A África já revelou grandes jogadores e até hoje não se firmou por causa desse fenômeno social. Na hora de nossa convocação, fala mais alto quem tem empresário mais forte e joga fora do país. Apesar de hoje em dia não termos deixado no Brasil tantos jogadores de mais qualidade do que os que estavam na Rússia, muitos deles fizeram falta e jogam bem mais do que os que jogaram lá. Fatalmente a maioria adere a comercialização e globalização do futebol.

O Brasil perdeu a magia, gente. Ou melhor, condenaram e expulsaram o dom da magia. Mesmo com o futebol em vários momentos provando o contrário. Como disse a preparação física da seleção brasileira a dias do início da Copa: “Hoje nós não temos mais jogadores de futebol. Temos atletas”. É verdade! Com algumas exceções, vocês disseram a verdade. E o resultado, meus camaradas, é esse aí que vimos e estamos vendo há muito tempo. Não precisamos de poetas e filósofos comandando jogadores de futebol. Mesmo que inteligentes, cultos e de bom senso. Precisamos de técnicos de futebol que respeitem os caminhos da bola e a real essência do nosso verdadeiro futebol. Porque no campo, Tite, a sorte, o “aleatório”, é quando se vê um jogador de 95kg da Bélgica, Lukaku, dar um nó em Fernandinho e Paulinho, no meio campo e ligar De Bruyne, chegando ao fatal segundo gol.

Com relação ao Uruguai e França de hoje, passei a ver o selecionado francês, que contraria em parte o que disse acima porque sua imensa maioria no elenco é naturalizada ou descendente direta de africanos, como favorito. No entanto, eles amam a França e se doam, como fizeram hoje. E a França tem planejamento, tem metas, um bom treinador que jogou futebol e, que eu saiba, o presidente de sua federação não é procurado pela polícia. Apesar de considera-la favorita, pode haver de tudo. Pode haver um campeão que nunca tenha posto as mãos nessa taça, o que não seria para mim uma surpresa.

Quanto ao Uruguai, que jogou o que pode, fez o que pode, dentro de sua escola e comandado por um dos melhores treinadores do mundo, sentiu a ausência de uma de suas poucas estrelas e foi derrotado com justiça pela França. Lamento por praticamente o fim de uma geração de bom futebol que representou a celeste olímpica nas últimas Copas.

Vamos aguardar o desfecho das quartas de finais e a vinda das finais. Foi o que sobrou para assistirmos na nossa Samsung. Isso nós que ficamos aqui. Aos brasileiros que foram a Rússia, salvo os que foram desfilar falta de educação e respeito (como uma grande parte já havia feito aqui, em 2014, com motivações extracampo e de cunho político), desejo um bom regresso ou um bom final de Copa, dentro da medida do possível.

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