Você está surpreso? Eu não. Se o leitor ler o último parágrafo da minha última crônica, irá entender. Fiz o alerta sobre a possibilidade real de vitória da seleção portuguesa, mesmo frisando, desde o início, que a minha favorita ao título era a França. Não só por jogar em casa, mas por ter uma equipe de qualidade e muitos recursos.
Não compartilho dos que veem o sucesso português apenas
como um ato de heroísmo ou uma zebra. Engana-se quem pensa assim. Conforme
disse no título, Portugal tem sim uma equipe brilhante. O fato de lhe faltarem
a tradição que suas concorrentes tem e em alguns setores, como meio e ataque o
time ser muito dependente da eficiência de Cristiano Ronaldo, a equipe tem sim
bons valores. E como disse anteriormente, muito bem treinada, com um esquema
tático impecável e como destaque principal uma forte marcação, aliada a um
invejável condicionamento físico de seus jogadores. E isso ficou claro hoje. Se
a França é mais time, Portugal foi mais equipe.
Cabe ressaltar que há também uma mentalidade que se
combina. Jogadores que não deixam a vaidade superar sua vontade de vencer.
Jogadores que se ajudam dentro de campo e conseguem se manter frios, mas
absolutamente focados e determinados em cada partida. E hoje, não foi
diferente. Portugal iniciou o jogo com espírito de decisão. A França levava
mais perigo e atacava mais? Sim. Mas não havia um domínio absoluto e o sistema
defensivo português conseguia neutralizar a velocidade impressionante de um
Sissoko, a habilidade e esperteza de Griezman e Payet, que esbarravam na marcação
portuguesa ou nas mãos do excelente goleiro Rui Patricio, que fez uma partida
impecável do primeiro ao último minuto.
Ninguém pode afirmar que a lesão inesperada de Cristiano
Ronaldo, sofrida em uma entrada desnecessariamente forte de Payet, tenha
determinado, ali, o começo da conquista portuguesa. Afinal, Portugal perdia seu
grande astro. Na maioria das vezes em que se perde a estrela maior, você é sim
prejudicado. Ocorre que Portugal, como disse, trabalhava como equipe e não
demonstrou sentir a perda. Pois até os 20 minutos do 1º tempo, quando Cristiano
Ronaldo deixava o campo, Portugal já mostrava uma postura correta, dentro de
seu estilo de jogo: competitivo, experiente, coordenado, mesmo muito dependente
ofensivamente de Cristiano Ronaldo. Quaresma o substituiu bem. Não fez nada de
extraordinário, mas trabalhou muito e teve bom acerto de passes. O 1º tempo se
encerrou com a impressão de que o gol francês era questão de tempo. Mesmo, eu creio
os franceses sentindo que, caso ocorresse, a França venceria com dificuldades.
Mesmo sem Cristiano Ronaldo do outro lado.
Decisão é sempre um jogo diferente de todos os outros.
Você não pode abrir mão da técnica. Mas tem de estar determinado e imbuído do
espírito de vitória. Tem de se superar. Portugal não era só Cristiano Ronaldo.
Portugal era uma equipe consciente, jogando de forma inteligente e com alguns
jogadores de boa qualidade, sim. Uma prova disso foi o primeiro lance de perigo
no jogo, onde Nani, um dos gigantes de Portugal hoje, num lançamento magnífico
de Cedric, por pouco não surpreende a França nos primeiros minutos. O próprio
Raphael Guerreiro, que parecia ser o jogador mais vulnerável, junto com Fontes,
entrava no ritmo dos demais e rendia acima de suas possibilidades técnicas.
Pela França, o técnico Deschamps percebia que Payet,
apesar de muito habilidoso, era anulado e acertadamente fazia entrar Coman em
seu lugar. A França ganhou mais força pelos lados de campo, gerando uma dor de
cabeça a mais para Portugal. As jogadas de velocidade e triangulação no lado
esquerdo do ataque francês atormentavam a zaga portuguesa e davam a impressão
de que o gol francês não tardaria. Ali foram criadas as melhores chances da
França.
Entretanto, o técnico português Fernando Santos também
acertava nas substituições, reforçando o meio campo e, mais tarde, promovendo a
entrada de Éder, que não é um jogador qualificado, de boa técnica, mas que sabe
jogar e se posicionou no espaço que Portugal não ocupava, dando o mínimo de retenção
de bola e criação ofensiva que a equipe portuguesa necessitava, travando a
bola, cavando faltas, virando uma referência que Portugal não tinha no campo
ofensivo. Talvez ele tenha sido o responsável pelo o que mais faltava a
Portugal aquela altura.
O time que não ameaçava o goleiro Lloris, quase abre o
marcador, já no tempo extra, em uma cobrança de falta de Raphael Guerreiro, que
caprichosamente bateu no travessão francês. A França parecia sentir alguma
preocupação com a melhora do desempenho ofensivo português e passou a diminuir
a sua intensidade ofensiva também. Até que em uma dessas tentativas a luz
brilhou sobre Éder, acertando um belo chute de fora da área, decretando um
título inédito para a equipe portuguesa.
O restante da prorrogação foi a prova do que tenho dito
aqui: uma equipe com um sistema de marcação muito bem feito e rigoroso trocando
alguns passes e se superando fisicamente, mostrando que seu trabalho no âmbito
geral, desde seu planejamento, seus preparadores físicos, seu treinador, que
promoveu um sistema de jogo e um esquema tático adequados as características
dos jogadores que possuía, foi excepcional.
Fim de jogo e Portugal entra para a galeria dos grandes
vencedores da Eurocopa, com todo mérito e merecimento. Sem ter sido zebra
nenhuma, como muitos, com certeza, estão achando. Parabéns ao belo trabalho e a
sensacional conquista portuguesa.
Encerro com uma observação sobre esta Eurocopa. Acho que
ficou mais do que definitiva a sensação de que, ao menos para a Europa, a FIFA
faleceu e a UEFA, a cada dia se torna mais realidade de comando do futebol
mundial para o torcedor europeu.
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