E são muitas. À medida que se passa o tempo de seu
falecimento, os momentos e lembranças mais adormecidos vêm à cabeça daqueles
que o conheceram pessoalmente, que foram seus fãs, que viram o jogador Carlos
Alberto, o homem Carlos Alberto.
Pessoalmente tive a oportunidade de conhecê-lo em um
centro de futebol com o seu nome, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Lá
também conheci parte de sua família, que tocava esse projeto do Capitão. Naquela
tarde que passei ali deu pra perceber que não havia lugar pra invenção e
teorias exóticas na formação e peneira dos craques e aspirantes a craques de
futebol. Um ambiente muito simples, um campo de dimensões oficiais muito bem
tratado e todos trabalhando com profissionalismo, simplicidade e respeitando as
raízes do nosso futebol, como Carlos Alberto sempre respeitou.
Carlos Alberto tinha um biotipo até atípico para a posição
que começou. Alto, forte, mas sem perder a agilidade, o jogo de cintura e a
velocidade, que sabia usar quando necessário. Mas estes atributos físicos só
ajudavam seu dom de nascença. Perfeito em todos os fundamentos. Os desarmes do
Capitão não o obrigavam a sujar o calção. Eram cirúrgicos. Seguidos de uma
condução de bola sempre na vertical. Uma colocação estupenda, uma antevisão das
jogadas que só os grandes craques têm. Passes precisos, milimétricos e
oportunos e finalizações que muitos atacantes do presente sequer conseguem
enxergar. Não foi só pelo gol antológico que fechou a Copa de 70. O gol não se
deu só pela violência do chute e porque Carlos Alberto pegou bem na bola.
Aquilo aconteceu porque ele sabia como posicionar o corpo, sabia a distância
correta da bola e a inclinação do tronco. Sabia tudo, como sempre soube.
Sinto pena e desprezo, ao mesmo tempo, pelas gerações do
futebol atual que sequer se interessaram em saber mais sobre ele ou nem se
manifestaram em homenagens a sua partida. A maioria dos clubes é que tomou a
iniciativa. Eu conheço bem, porque treinei muitos jogadores, e ainda treino, a
mentalidade de várias gerações pra cá. Muitos foram condicionados pelo mundo
dos empresários e dos negócios. E deram entrada no mundo da bola através de
estagiários de preparação física, apadrinhados ou mesmo preparadores físicos,
entre outros. O boleiro, natural, é visto como dotado de pouca inteligência e
desatualizado, por não falar bonito e não andar de terno, na maioria das vezes.
Há um padrão a ser seguido pra que o treinador ou quem
ensina futebol no Brasil seja respeitado e entre na vitrine. Linguagem
rebuscada e profundos estudos, além de um relacionamento extracampo que o façam
respeitá-lo mesmo que não tenha alcançado glórias e feitos em seu currículo.
Estas são algumas das razões, meu caro, do futebol brasileiro está revelando
cada vez menos bons jogadores. Ou dizem que os descobrem quem nunca tocou numa
bola de verdade. Quem não entende muito dela ou sequer jogou. Você contrataria
um professor de piano para ensinar seu filho que não soubesse tocar piano? Pois
é. No futebol não é diferente. Trata-se de um dom. Você descobre e aperfeiçoa um
bom jogador. Mas você não cria e não inventa um bom jogador ou um craque.
Jamais.
O maior dilema do futebol brasileiro atualmente ainda é
este: a vergonha de assumir suas próprias características técnicas. Já disse
aqui e repito (e Carlos Alberto várias vezes disse isso em programas na TV ou
em conversas informais com os amigos): a técnica, a categoria, o drible, a
ginga e a catimba, magias que nascem nos pés do jogador brasileiro, nascem nos
pés de um Carlos Alberto, que veio da humilde Vila da Penha, não impedem que
você monte um time competitivo e dinâmico. Jamais.
Carlos Alberto nos deixou também uma lição de comando.
Comando sem arrogância, mas com muita autoridade, sem perder a humildade. Um
comando que hoje ninguém quer assumir por vergonha de ser taxado de dono do
time ou de corneteiro e logo em seguida passar a ser mal visto pelo grupo.
Falta de personalidade que custa caro a esse jogador e ao elenco que ele
participa. O trabalho da comissão técnica vai até certo ponto. E a partir daí,
quem resolve, quem tem que ter a iniciativa de mudar ou não, é quem está dentro
de campo. E essa iniciativa aflora normalmente no jogador, que hoje preferem
chamar de atleta. Nomenclatura que eu abomino, porque um jogador é bem mais do
que um atleta. E a palavra jogador não é pejorativa. Um pivô de basquete
americano não é chamado de atleta. E entre jogador de futebol e jogador de pôquer
não existe semelhança alguma.
Portanto, como Carlos Alberto nos deixou de exemplo:
precisamos jogar o verdadeiro futebol brasileiro. Precisamos usar as nossas
raízes. O futebol requer mudanças ao longo dos anos. Mas o talento jamais pode
ficar em segundo plano. Senão você só vai ficar com atletas.